O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

sábado, 8 de novembro de 2008

Ocupa-se

Como o Porto respondeu ao apelo da squat.net

"Estamos aqui para dizer que a ocupação e libertação de espaços deverá ser uma das principais estratégias da luta por um mundo mais justo". A faixa na fachada da CasaViva apareceu já depois da meia-noite de sexta-feira, 11 de Abril. Antes de recolhermos para recarregarmos energias para o fim-de-semana de apoio às ocupações e aos espaços autónomos, depois de jantarmos e discutirmos o que havíamos de fazer em resposta ao apelo da rede Squat.net.

As ideias surgiram como ameixas: tentou-se coordená-las, dividi-las pelo tempo disponível, ultimar preparativos. Algumas seriam para realização imediata e dariam o mote para o que se seguiria, um fim-de-semana em que sensibilidades diferentes se uniam em torno de um mote geral, aportando formas variadas de o encarar. E formas variadas de o manifestar. Na rua, a caminho do centro da cidade, já a faixa se impunha na praça do marquês, alguns pintaram, um pouco por todo o lado: "desocupa o teu carro". Uns colantes "ocupa-se" seriam, durante os dois dias, colados em edifícios abandonados. Não se aluga... Não se vende... Ocupa-se. E houve ainda, claro, o Fankupa, o zine que se lançou nessa noite e que nos acompanhou até domingo. Há mesmo quem diga que ainda há uns exemplares pela CasaViva.


No sábado de manhã, o Sol e a chuva iam-se revezando. Há tempos, o Jornal Universitário do Porto (JUP) requereu à câmara municipal do Porto um lugar para estacionamento de bicicletas à porta da sua sede. A resposta foi o indeferimento, por se considerar que os automóveis merecem todo o espaço disponível. Aparentemente, houve quem achasse que a decisão não foi a mais acertada e decidisse tratar disso com as suas próprias mãos, uma cerca de jardim e alguma tinta. Acabava a manhã e o JUP tinha finalmente aquilo que tanto desejava.

De tarde, a merenda no Jardim das Virtudes soube-nos pela vida. Porque a fome apertava, porque as vistas eram soberbas, porque o tempo estava, finalmente, acolhedor e porque o jardim está fechado ao público e nós fomos lá tomá-lo. Desta vez não deixaríamos uma faixa. A outra tinha durado apenas um dia e queríamos fazer da nossa acção uma coisa mais perene. Ao lado do jardim há um lavadouro municipal em cujo tecto deixamos pintado "Virtudes Abertas Já!".

Regressados à CasaViva, houve ainda tempo para sorrirmos ao ver as imagens do que se passara nesse dia. Tempo ainda para que os visitantes de outras paragens geográficas pudessem ver os vídeos da nossa recente luta para manter o mercado do Bolhão público e para que todos nos pudéssemos educar mais sobre a questão da ocupação, com cinema temático.


No domingo, ocupamos o Jardim do Marquês com uma ludoteca que, mais tarde, se transformou em sala de jantar, no caso, para almoço. Protestava--se contra o abandono da ludoteca municipal do que causaram os sofás, as mesas, livros, jogos, telas para pintura, mesas e cadeiras em pleno jardim foi o álibi perfeito para muitas conversas com transeuntes que demonstraram uma aceitação muito boa, tanto da questão da ludoteca do Marquês como do facto de se estar a protestar. Foi ainda possível ver que a ocupação de casas devolutas não é um assunto tabu e que é facilmente compreendido por quem perguntava se tínhamos alguma coisa a ver com aquela casa que tinha as faixas. A todas as pessoas que se interessaram oferecemos um folheto onde se podia ler: "Hoje estamos aqui no jardim, ocupando um espaço que é também nosso mas que nos querem roubar, a lembrar que a cidade não é só para ricos e que toda a gente deve ter direito a cultura e diversão".

Num espaço que também é nosso, porque é municipal, e também deixado ao abandono, na Praça de Lisboa, dorme, desde há uns meses, um grupo de gente sem-abrigo que se organizou em movimento, a partir de um manifesto, o MASA. Jantaram na CasaViva na sexta-feira, ficaram de voltar na tarde de domingo para uma conversa com tempo, o que prometia fechar em pleno o

fim-de-semana. Por ruído na comunicação, a conversa foi adiada para depois do regresso de Fátima, para onde partiram em peregrinação no início de Maio, por se dizerem mais crentes no auxílio divino do que no apoio terreno.

O apoio terreno não prevê fachadas alteradas sem consentimento da câmara municipal e, apesar de não acharmos que se deva pedir licença para expor pensamentos, não nos apetecia pagar a multa pela respectiva ausência. Para além de que, depois de vermos dois polícias a copiarem para o papel o que estava na fachada da casa, foi óptimo pensar como os colegas os acharam esquizofrénicos quando por lá passaram e, afinal, não havia nada de anormal. Assim, recolhemos a faixa no final da tarde de domingo. Até à próxima oportunidade. Até breve.


osencontrosdagalinha.blogspot.com

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